Editorial



Ao longo de seis décadas de existência, a Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE) tem sedimentado sua identidade institucional por meio das lutas em prol do Estado Democrático de Direito, as quais se substantivam em múltiplas responsabilidades, como a incessante defesa em prol da educação pública e gratuita com princípios democráticos, laicos e de qualidade socialmente referenciada.

O tempo presente instaura novos desafios para a defesa da educação pública em razão dos constantes acintes aos direitos sociais resultantes do ascenso de políticas governamentais de base autoritária e privatista em todos os entes federados, assumindo especial relevo no âmbito federal, por meio de pautas que produzem efeitos nefastos para a justiça social, a dignidade humana e as parcas conquistas da cidadania.Tais processos atingem de forma crucial os estratos empobrecidos da população, sendo estes os principais beneficiários das políticas públicas.

As reivindicações presentes nas históricas lutas em prol dos direitos sociais foram, em boa medida, incorporadas pela Constituição Federal de 1988, promulgada há três décadas, como também pelas sucedâneas legislações infraconstitucionais. Não obstante, tais conquistas estão em risco no atual cenário, mediante reformas arbitrárias que produzem colapsos na segurança jurídica e compõem um quadro de preocupações e incertezas na garantia de direitos conquistados. A Educação Básica, especificamente, tem sido tangenciada, de forma contígua, por graves ataques e ameaças, tais como: o desmantelamento do Plano Nacional de Educação; o congelamento de gastos com a educação e o desmonte do sistema de fundos para investimentos públicos; a proliferação dos projetos de Lei da Escola Sem Partido e seus desdobramentos para a liberdade de expressão e perseguição de docentes; a militarização de escolas públicas; a iminente consolidação do ensino domiciliar por meio de dispositivos legais.

Essas questões nos impõem necessidades de radicalização das medidas em defesa da educação pública mediante o fortalecimento de instâncias coletivas para a produção de resistências ativas. Sob tal perspectiva, a ANPAE tem a grande satisfação de proporcionar aos profissionais da educação básica, ao público acadêmico e à comunidade em geral, mais um instrumento de interlocução entre a Associação e os profissionais da Educação Básica, por meio do lançamento da Revista Educação Básica em Foco. Esse instrumento constitui-se em um espaço de divulgação, intercâmbio e debate de conhecimentos produzidos em diferentes instâncias educativas – escola básica, universidades, fóruns e conselhos estaduais e municipais de educação, entidades sindicais etc., propiciando a divulgação de iniciativas e ações desenvolvidas nas redes de ensino. Assim, a publicação de uma revista voltada especialmente à Educação Básica é uma das iniciativas institucionais que concretizam o compromisso da ANPAE de contribuir para com a visibilidade dos problemas, dilemas e potencialidades que envolvem essa etapa da educação visando seu fortalecimento e protagonismo.

Os processos de elaboração e consolidação deste projeto editorial atravessaram meses, entretanto, em março do presente ano, com o advento da pandemia ocasionada pela COVID-19, seu núcleo gestor foi instado a fomentar o debate sobre as implicações desta enfermidade na educação escolar. Isso por que para dirimir os efeitos da referida pandemia foram criadas medidas em prol da saúde pública, dentre elas, o distanciamento social, ocasionando a suspensão das aulas nos diferentes níveis e modalidades da educação. No âmbito da Educação Básica, os efeitos do isolamento social impuseram um novo modus vivendi para as famílias uma vez que passaram a lidar com demandas excedentes da educação escolar, e, na maioria dos casos, com intensas dificuldades na lida com o monitoramento dos estudos das crianças e adolescentes de forma remota, através de diversos canais interativos virtuais e aplicativos de celular para encaminhar conteúdos disciplinares. Esse processo foi regulamentado por dispositivos jurídico-normativos em âmbito nacional, quais sejam: Medida Provisória n.º 934, de 1º de abril de 2020 - Estabelece normas excepcionais sobre o ano letivo da educação básica e do ensino superior decorrentes das medidas para enfrentamento da situação de emergência de saúde pública de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020; Parecer sobre reorganização dos Calendários Escolares e Realização de Atividades Pedagógicas não Presenciais durante o período de Pandemia da Covid - 19” do Conselho Nacional de Educação (CNE), de 28 de abril de 2020. Destarte, tais medidas legitimaram reorganizações dos calendários escolares por meio de atividades pedagógicas não presenciais no âmbito dos estados e municípios, não havendo condutas padronizadas em nível nacional.

Dados de 2018 publicadas pelo Comitê Gestor da Internet (CGI.br) informam que mais de um terço (39%) dos domicílios brasileiros ainda não tem nenhuma forma de acesso à internet. São cerca de 27 milhões de residências desconectadas, enquanto outras 42,1 milhões acessam a rede via banda larga ou dispositivos móveis. O índice de residências sem acesso é ainda maior nas classes D e E: 70%. Na classe A, 99% dos domicílios têm alguma forma de acesso, na classe B, 93% e na classe C, 69% (Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2018-07/mais-de-um-terco-dos-domicilios-brasileiros-nao-tem-acesso-internet. Acesso em 27-05-2020).

Assim, em um país com dimensões continentais e desigualdades estruturais, a reorganização da dinâmica escolar por meio remoto no contexto de Pandemia da COVID -19 tem sido marcada por expressivas inconsistências e muitas tensões. Colocar em relevo as percepções dos sujeitos da educação sobre os dilemas que o tempo presente enseja tornou-se o grande desafio assumido pela primeira edição da Revista Educação Básica em Foco. A intenção precípua da presente edição deste periódico foi a de garantir um espaço onde as vozes dos/as discentes, docentes e gestores/as pudessem ser ouvidas e consideradas, favorecendo reflexões acerca das histórias, experiências, culturas e subjetividades em processo de construção e ressignificação.

Face a um cenário de reincidentes ataques e privações, o ano de 2020 é de embates decisivos em defesa da educação pública de qualidade referenciada. Neste contexto, a Revista Educação Básica em Foco reafirma seus princípios políticos e editoriais e convida leitores/as, autores/as e corpo editorial a seguirem resistindo ativamente em defesa do direito à educação pública.

Por meio de vídeos, áudios e textos escritos, disponibilizaremos aos/às leitores/as dimensões bastante reveladoras da forma como esses sujeitos pensam, sentem e concebem esse momento histórico e seus impactos no universo escolar. A composição editorial da Revista Educação Básica em Foco para este número de lançamento foi estruturada em quatro seções: Depoimentos com Vídeos, Áudios e Textos, Vídeos, Palavra do Presidente; Memórias da Anpae.

Saudações Anpaeanas.





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